quarta-feira, 31 de março de 2010

Agora


Sinopse:

Século IV. No Egipto, sob o poder do Império Romano, violentos confrontos sociais e religiosos invadem as ruas de Alexandria… Presa entre paredes, sem poder sair da lendária livraria da cidade, a brilhante astrónoma, Hypatia, com a ajuda dos seus discípulos, faz tudo para salvar os documentos da sabedoria do Antigo Mundo… Entre os discípulos, encontram-se dois homens que disputam o seu coração: o inteligente e privilegiado Orestes e o jovem Davus, escravo de Hypatia, dividido entre o amor secreto que nutre por ela e a liberdade que poderá ter ao juntar-se à imparável vaga de Cristãos.


Opinião:

Aqui está outro filme sobre o qual eu andava bastante curioso para ver. E, no final, fiquei bastante mais satisfeito que o anterior. Bom, vejamos, primeiro temos de enquadrar este filme. Estamos na Alexandria (no Egipto), século IV depois de Cristo. Temos, por um lado, uma cultura baseada na crença em vários deuses (veja-se como era a religião na Antiguidade: vários deuses dominavam a fé, havendo um deus para cada peça e conceito da vida, baseando-se a explicação de todas as coisas na actuação dos vários deuses) e, por outro lado, temos em ascensão uma cultura cristã baseada na fé e no espiritualismo de um único Deus (note-se: estávamos numa época em que Jesus Cristo tinha sido crucificado à relativamente pouco tempo [cerca de 300 anos], tendo sido propagado os seus ideais pelos discípulos e pelos escritos que se expandiram, crescendo clandestinamente um enorme número de seguidores desta nova fé contra a propagada e defendida pelo ainda vigente Império Romano). Deste modo, não é fácil de adivinhar que existindo na mesma sociedade estas duas culturas, a provocação de uma à outra só podia desencadear numa guerra. E é isso que acontece na primeira parte do filme.

Por detrás de simples aulas de filosofia na Agora da Alexandria, são iniciados confrontos entre a cultura religiosa predominante nos últimos séculos da humanidade e a cultura religiosa que ascende década após década depois da morte do seu fundador. O filme transmite para além de tudo uma mensagem sobre a fundação e conversão das ordens religiosas no início dos tempos. Por detrás das maravilhas da filosofia que desencadeiam o espírito de descoberta por parte da Hypatia (personagem interpretada por Rachel Weisz), entre elas a descoberta sobre se o mundo é redondo ou plano e como se procede a relação com o sol, encontra-se uma guerra religiosa entre o Passado e aquele que hoje é o nosso Presente. Ou seja, o retrato principal do filme, se tivesse que haver uma legenda, seria "A Forma com o Cristianismo se propagou pelo Mundo". É neste ponto que o filme se tornou polémico, uma vez que retrata a propagação dessa nova fé religiosa, através da força, da brutalidade e da violência, pois os cristãos apenas venceram os, por eles designados, "pagãos" porque eram mais fortes, funcionavam como equipa, embutidos na fé religiosa, e com o uso da força expulsaram os que eram contra eles e os que resolveram ficar foram obrigados a se converterem à sua religião.

Assim, temos a tomada de poder pelos cristãos. Numa segunda parte do filme, há novamente outro aspecto que surge como crítica à propaganda conseguida pelos cristãos: após conseguirem expulsar os opositores, converterem os que resolveram ficar e tomarem o poder da cidade, abrem de novo uma guerra dentro de toda a classe cristã, desta vez: cristãos vs judeus. Dentro daqueles que se uniram para expulsar o passado, emerge uma divisão que dá azo a novas guerras, nova violência e nova vontade pela tomada do poder.

Para além de toda esta componente religiosa e histórica o filme desemboca todas estas conexões num triângulo amoroso, mas que sinceramente pouco me interessou, pois o mais forte e frutuoso de toda a história é mesmo o seu pano de fundo e esta guerra religiosa que tão poucas vezes vi retratada em filmes. Por outro lado, é de destacar, como sempre, a actuação de Rachel mais uma vez (tal como em The Fountain).

Para quem vir (ou para quem viu o filme) aqui fica um ponto de reflexão: Qual é a moral da Igreja Cristã para propagar a necessidade de paz e de crucificar as guerras religiosas do nosso tempo, quando a única forma que ela mesma viu como eficaz para chegar ao poder foi envolvendo-se brutalmente com as outras religiões? A favor da Igreja Cristã podemos referir que era a única forma de fazer passar a mensagem e que o Cristianismo só poderia ser divulgado e propagado recorrendo à forma: expulsando os que não queriam e convertendo os que queriam. Ou até dizer que era a prática corrente de todas as religiões. Mas contra a Igreja Cristã temos um elemento muito forte: 300 anos antes já não tinha Jesus Cristo lutado pela sobrevivência da fé cristã? Já não tinha ele sofrido pelos outros? Porque teria de haver mais guerra para que a fé invadisse toda a gente? Seria ele a favor desta propagação da fé pela força? Recorde-se aquela passagem da história de Cristo em que este simplesmente recusa que se mate um borrego para servir de oferenda, porque a morte nunca vale a pena e nunca é um acto feliz. Como podem ser compreendidos os desvios de pensamento e construção de uma fé tão poderosa como a Cristã entre o seu fundador e os que a instituíram eficazmente?
Nota: 7/10 - Bom

0 Sussurro(s):