quinta-feira, 27 de março de 2008

Encostei-me...


Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.

Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.

Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y's de sentimento.

Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos —
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o
compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó Álvaro.

Alvaro de Campos

domingo, 23 de março de 2008

Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street

“Naveguei pelo Mundo, contemplei as suas maravilhas. Do Estreito de Dardanelos, às Montanhas do Peru. Mas não há nada como Londres! Não, nada como Londres.”

E, assim, nasce uma obra.

Do princípio ao fim, fiquei deliciado perante uma daquelas histórias que se assemelham às grandes lendas dos subúrbios do Mundo, neste caso, de Londres! Uma Lenda de um amor proibido e de uma vingança para ser feita. A sede da vingança. Os sentimentos de ódio que transbordam da alma. A perícia no manejar da lâmina/navalha. Um amor para resgatar. Uma filha para sentir nos seus braços. Um regresso ao passado para ser feito por Sweeney Todd, o Barbeiro…

São duas horas garantidas de deambulação eterna. Recordamos filmes míticos como “Eduardo Mãos de Tesoura” ou “A Noiva Cadáver”, não fossem eles do mesmo director. Tim Burton. Aquela caracterização única. Cabelos sebosos e despenteados. Olhos negros e profundos. Mãos sujas. Expressões, ora tristes, ora vingativas, ora maquiavélicas. Roupas sujas, amarrotadas, negras. O cheiro imundo da cidade quase que viaja pelo ecrã. A cor não existe. Excepto o encarnado. O sangue.

Recordei, também, os eternos clássicos desenhos animados, como “A bela e o monstro”, “Pocahontas” ou “O Rei Leão”; tudo isto, por “culpa” da música. É um elemento adicional que este filme comporta. “E ainda bem”, digo eu. A música dá o toque requintado final a toda uma beleza de caracterização. Sendo mais conciso, perdoem-me a comparação, a música, neste filme, representa o ar nas nossas vidas. Sem tirar nem pôr. Se desaparecer morre-se. Perde algo. Perde a piada, se quisermos. São vários os tipos de música existentes. Desde aquela melodia triste e de desespero de uma rapariga indefesa nas mãos de um monstro, passando pela melodia recheada de coragem do príncipe que a vai resgatar, até àquela melodia “de guilhotina” que pressagia a morte, o fim…

Por fim, a sua sequência final, estrondosa e única, fez-me recordar essencialmente aquelas tragédias gregas. E mais não digo. Para bom entendedor foi o suficiente para explicitar o final da história. Um final, no mínimo, arrebatador. E, sim, chocante.


Sweeny Todd é bom demais para ser considerado um grande filme. É, sobretudo, uma obra de arte eterna. Obrigado Tim Burton!

PS: Sim, raparigas, Johnny Depp está absolutamente inigualável! Contudo, vejo também o belo trabalho da sua amiga e do enorme Sasha Cohen!


Aqui deixo uma das grandiosas cenas:


Sweeney Todd - By The Sea

sexta-feira, 21 de março de 2008

Dia Mundial da Poesia!

Porque mais um ano passou. Porque o meu poema favorito continua o mesmo. Lembraste? Eu sei que sim...


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

[Amo-te. Como nunca amei ninguém...]

terça-feira, 18 de março de 2008

Jumper



Jumper, similar a SuperMan, SpiderMan, FantasticFour, X-Men, nada lhes fica a dever.
Jumper, neste caso, David é um novo Super-Herói que se socorre do poder de teletransportação "à lá Songoku". Consegue viajar para onde quer em milésimas. Acorda em L.A, vai surfar à Tailândia, toma o pequeno almoço em Paris, lê o jornal no Egipto, passeia-se por Roma, janta na Inglaterra, dorme em N.Y. Mas há quem não goste que ele o faça....

É um filme intenso e com surpresas a cada minuto. Uma intensidade a relembrar "SpiderMan". Jumper será a meu ver apenas o primeiro, outros lhe seguiram. A história não fica completa. É o primeiro capítulo, se o pudéssemos designar seria "Debut -O início". Vão concerteza gostar de saber e ficar surpreendidos com quem é o seu principal inimigo, confesso que aí o argumentista foi um "mestre".

Ao nível visual, duas palavras: Fan-tástico! Outra coisa não seria de esperar. Os mesmos do melhor que já se viu, desde Matrix a FantasticFour. A história em si é agradável, apesar de com um seguimento ainda mais brutal e intenso o filme tenha ainda mais possibilidades de ganhar um outro impacto que não teve.
Agradou-me sobretudo as personagens. O regresso do nosso querido Anakin Skywalker (Hayden Christensen – “Awake”); o ressugirmento de Diane Lane (“O Infiel”) e o tão aclamado Samuel L. Jackson. Seria difícil arranjar melhor.

Pontos Fortes: Efeitos Visuais e Sonoros
Riqueza/Diversidade Gráfica
Intensidade

Pontos Menos Fortes: Curta Duração

Em suma, é um bom filme de acção. Explosivo. Mas sabe a pouco… tem de haver outro. Tal como houve outros Matrix e SpiderMan. Eu acredito.

"Anywhere. Anything. Instantly"
Trailer:aqui.

Manda mais um Pablo...


Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.

Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros
y en mí la noche entraba su invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.

Pero cae la hora de la venganza, y te amo.
Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.
¡Ah los vasos del pecho! ¡Ah los ojos de ausencia!
¡Ah las rosas del pubis! ¡Ah tu voz lenta y triste!

Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia.
Mi sed, mi ansia si límite, mi camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,
y la fatiga sigue, y el dolor infinito.
Pablo Neruda

domingo, 16 de março de 2008

Porque Adorei esta Versão!

Queres?

Sinto-me deprimido. Falta-me o tempo. Tempo esse destinado a viver aqui. Pouca assiduidade. Pouca responsabilidade de compromisso. Eu gosto disto, gosto. Mas é díficil. A eternidade de coisas que entram pela minha porta, obrigam-me a por isto debaixo da cama e não actualizar frequentemente. Duas Soluções. Ou o fim, ou uma ajuda. Estão abertas as inscrições!

segunda-feira, 10 de março de 2008

Vivemos assim...

“É verdade, vivo em tempo de trevas
É insensata toda a palavra ingénua. Uma testa lisa
Revela insensibilidade. Os que riem
Riem porque ainda não receberam
A terrível notícia.

Que tempos são estes!
Uma conversa sobre as árvores é quase um crime
Porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade.

(...)

Dizem-me : come e bebe! Agradece por teres o que tens!
Mas como posso eu comer e beber quando
Roubo ao faminto o que como e
O meu copo de água falta a quem morre de sede?

Apesar disso eu como e bebo!

Também eu gostaria de ter sabedoria.
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
Este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
Pagar o mal como o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los.
Ser sábio é isto.
E eu nada disso sei fazer!

É verdade, vivo em tempo de trevas!...

(...)

Vós, que surgireis do dilúvio
Em que nos afundámos
Quando falardes das nossas fraquezas
Lembrai-vos
Também do tempo de trevas
A que escapastes.

Pois nós, que mudamos mais vezes de país que de sapatos
Atravessámos as guerras (...), desesperados
Ao ver só injustiça e não revolta!

E afinal sabemos:
(...)
Também a cólera contra a injustiça
Torna a voz rouca. Ah, nós
Que queríamos desbravar o terreno para a amabilidade
Não soubemos afinal ser amáveis.

Mas vós, quando chegar a hora
De o homem ajudar o homem
Lembrai-vos de nós
Com indulgência...”

Excertos do Poema “Aos que vão nascer” – Bertholt Brecht